sábado, 6 de outubro de 2007

João Gualberto

JOÃO GUALBERTO – O DEFENSOR DO PARANÁ


Entre os anos de 1912 a 1916, ocorreu a maior guerra civil brasileira: A guerra do Contestado. Um conflito armado onde participaram mais de 30 mil pessoas, numa área geográfica de mais ou menos 48.000 km². Os catarinenses queriam a divisa até os rios Negro e Iguaçu. Os paranaenses pretendiam descer até o rio Canoas.

Fazendeiros, posseiros, fanáticos religiosos, o exército nacional e as forças policiais do Paraná e Santa Catarina, lutaram naquela região e a transformaram num palco de sangrentos combates. Cada facção defendia suas idéias, suas aspirações eram políticas, religiosas, oportunistas ou apenas uma questão de sobrevivência.

Vamos contar a história do herói paranaense João Gualberto e seu papel neste conflito.

Em 1912, um falso monge chamado José Maria e seu seguidores, entram em território paranaense fugindo da policia catarinense. Desde o começo da década a região é percorrida pelo andarilho José Maria. Ele distribui remédios, prega as verdades do Evangelho e prevê o fim do mundo para quem não se dedicar a Deus. Centenas de devotos grudam-se nos passos e nos sermões do andarilho transformado em monge.

Esse falso monge e o grupo de fanáticos e seguidores instalam-se no quadro santo de Taquaruçu, município de Curitibanos. As autoridades se assustam com a reunião de tantos pequenos fazendeiros e peões e com o estranho comportamento do dito monge, que exige deles uma disciplina de convento e de quartel. Fugindo da polícia de Santa Catarina, José Maria e os fiéis seguidores cruzam o Rio do Peixe e se transferem para o Irani, nas terras que o Paraná afirma serem parte do seu território.

Noticias chegam a Curitiba que esse falso monge e seus jagunços estariam assaltando fazendas da região de Palmas. Curitiba interpreta o fato como uma invasão catarinense e enviam forças policiais para prenderem os invasores e garantir a ordem pública. José Maria, já era conhecido na região, pois era foragido da cadeia de Palmas. Esse falso profeta se valia da ingenuidade cabocla para conseguir seus intentos.

Em defesa do território paranaense, segue para os campos de Palmas o então Capitão João Gualberto Gomes de Sá Filho, que ao contrario de seu algoz, era um homem honrado, Bacharel em Ciências Físicas e Matemáticas, tinha o curso do Estado Maior em Engenharia. Gualberto viveu, angariando uma massa de amigos e admiradores que o levaram a uma popularidade imensa, não só por suas qualidades pessoais de bondade, simplicidade, inteligência, cultura geral e profissional nas Forças Armadas, como também um desprendimento de coragem fora do comum. No dia 7 de setembro de 1910, o Tiro de Guerra Rio Branco, comandado por João Gualberto, venceu na cidade do Rio de Janeiro um concurso militar. O Paraná venceu todas as provas, e a volta do Capitão a Curitiba foi cercada de manifestações de carinho. A população curitibana saiu às ruas explodindo de orgulho e contentamento.

Em agosto de 1912, ao assumir o comando do Regimento de segurança do Estado, num dos trechos de sua Ordem do Dia, dizia estar orgulhoso e feliz por ter recebido tão importante missão e estava pronto para dar a vida pela Milícia Paranaense. Parecia estar premeditando sua morte.

Em meados de outubro, notícias davam conta de que o movimento fanático liderado pelo cognominado monge José Maria, tomava força na região de Palmas. Jose Maria incitava os camponeses a realizar saques e desrespeitar as autoridades constituídas. O Capitão João Gualberto segue para a área com pouco mais de 70 soldados, no intuito de aprisionar e conduzir amarrados a Curitiba os rebeldes. Já na área, quando a tropa transpunha um riacho, a única metralhadora caiu na água, molhando as fitas de lona com munição, incidente este que no combate traria conseqüências trágicas para a tropa. Na manhã do dia 22 de outubro a tropa estava nos campos do Irani, prepara-se para o combate. Eram três horas da madrugada, quando a infantaria inicia a marcha com seus homens. O comboio de munições com a metralhadora marcha no meio. Segue na retaguarda um pelotão de onze cavalarianos bem montados, com lanças. Mas o que o Capitão João Gualberto não sabia é que enfrentaria mais de 300 jagunços. Chegando ao acampamento do monge, Gualberto verificou que o mesmo estava vazio. Percebendo movimento nos matos ao seu redor começou a gritar “estender linha” e “assentar ferros”. Mas a metralhadora engasgava e não cuspia fogo. Era uma emboscada. A cena deve ter durado alguns minutos, porque logo os piquetes da cavalaria rebelde entrariam em ação. À frente deles vinha – como um possesso – o próprio José Maria, dando gritos medonhos. Investiram contra a tropa paranaense cem homens a pé, 50 a cavalo, seguidos de outros cem por trás da cavalaria. Parte da tropa sob as ordens do capitão Miranda, vendo a jagunçada enfurecida, desapareceu. O Capitão João Gualberto ficou encurralado entre o matagal da esquerda, o Itambé da direita e o banhado detrás. Gualberto mandou deitar corpos, tomou a fuzil do soldado Caldeira (que fugiu) e com essa arma fez fogo. Endemoniados, os jagunços combatem de arma nobre (arma branca) – facões de aço e porretes de três quinas – e assumem a ofensiva. No corpo-a-corpo os fuzis levam desvantagens para os pontaços. Durante cerca de meia hora, em terreno que conheciam a palmo, e no meio da mais formidável confusão (dentro da fumaceira que impedia a visão quase por completo), os fanáticos atacaram rijamente a pequena força policial que resistia junto ao Capitão João Gualberto. A cavalaria policial em fuga, já na estrada, continuava perseguida pelos fanáticos. Um tiro certeiro do tenente Busse põe um fanático no chão, determinando aos outros a desistirem de perseguir. Mesmo assim a cavalaria não voltou à carga, nem se pensou em reconstituir os fugitivos para uma nova tentativa. Miranda desaparecera depois de fraco tiroteio (ou de nenhum, segundo alguns) com a ala da esquerda do seu comando. Ficou só um pequeno grupo em torno do Capitão João Gualberto. A luta foi cruel, e a certa altura do combate, quando já não existia esperança e a tropa caindo em mãos dos jagunços, o Capitão João Gualberto num último esforço, já com as vestes rotas e ensangüentadas, gritava: “Avança! Fogo! Fogo!”. Nesta ocasião já estava ferido a bala no tórax, defendia-se com o braço esquerdo, com um mosquetão na mão direita, batia-se como podia, com inigualável bravura, apenas protelando o momento derradeiro de sua morte. Ferido no peito e esgotado de forças com a perda de sangue, João Gualberto cai, já com os punhos cortados a golpes de facão, recebendo o golpe de misericórdia do assassino José Fabrício Neves, que lhe produziu profundo ferimento no seu frontal. O falso monge também morre, com um tiro certeiro desferido pelo 2º sargento Joaquim Virgílio da Rosa.

Morreram ao redor de Gualberto, nove homens, dentre os quais devemos destacar o 2º sargento Virgílio, o soldado José Marinho, o cabo Rosa, o tenente Libindo e o sargento Cantídio que tombaram ao lado do seu comandante. Lembro também do alferes Sarmento que mesmo com um profundo ferimento a facão no olho esquerdo, tentou salvar seu Capitão abrindo caminho por entre os fanáticos, usando sua espada como uma clava até cair desmaiado (o alferes Sarmento sobreviveu ao combate e é homenageado hoje como o Patrono da PMPR).

João Gualberto, sacrificando-se pelo Paraná nos Campos funéricos do Irani, completou a sua personalidade.

Desapareceu João Gualberto, mas imprimiu-se uma página de Honra na História do Paraná.

Estava terminada a primeira parte dessa dolorosa tragédia que roubou ao Paraná e ao Brasil a figura de um bravo.

As causas do desastre foram a deficiência do armamento – a metralhadora não funcionou e os sabres punhais das carabinas caíam com os tiros dados, impedindo a defesa extrema à baioneta – bem como a fuga do Capitão Miranda e sua ala quando o combate teve início. Os que voltaram as costas ao combate haviam de levar um pouco do pânico que os atingira; mas também levariam muito de vergonha e de remorso, embora o pânico sempre seja compreensível quando não constitui ação premeditada e realizada a frio. É cabível pensar que uma ação valente da ala poderia decidir o assunto de outra forma visto que, com excesso de mortos e feridos e com a morte do falso monge, a maioria dos fanáticos fugiria (morreram 115 fanáticos).

O combate do Irani foi o estopim da guerra. Tropas federais foram enviadas para combater os jagunços revoltosos e fanáticos religiosos que começaram a reunir-se em torno de sucessores do falso monge. Calcula-se que entre 1912 e 1916 mais de 30 mil pessoas participaram do conflito (era a população de rebelados). Cada reduto rebelde era formado de 300 a 5 mil pessoas (foram 28 redutos) – lembrando que Canudos era um só reduto, 8 mil combatentes militares participaram das ações de guerra, 3 mil a 5 mil pessoas morreram. Pela primeira vez no mundo foi utilizado o avião como arma de guerra.

A Guerra do Contestado acabou como termina a noite: sem tratados, sem acordos, sem ata de rendição, sem vitória e sem glórias. O soldado regressa ao quartel. O revoltoso, sobrevivente aniquilado, resta calar.

No dia 20 de outubro de 1916, foi assinado o acordo de limites entre os Estados do Paraná e S. Catarina. O Paraná ficou com 20.310 quilômetros quadrados e S. Catarina, com 27.570 quilômetros quadrados. Os paranaenses cederam Itaiópolis, Papanduva e Canoinhas, mas recuperaram Palmas e Clevelândia.

Já que mencionei Canudos, gostaria de lembrar que o 39º Batalhão de Infantaria em Canudos era curitibano. O 39º foi o herói do ataque de 30 de setembro, o último e o mais grave da campanha. Os jornais exaltaram sua bravura. Destacando-se: Carmelo Rangel , o tenente Ângelo Sampaio, o alferes Poli, e o capitão Clementino Paraná.

Jornal curitibano cita: “ O 39º por fim regressou a Curitiba... Heróica e mártir, essa unidade, com grandes claros nas suas fileiras, foi aqui recebida com grandiosa manifestação de apreço público... Apoiado em muletas vinha um moço de dezenove anos, combalido por graves ferimentos. Era Carmelo Rangel”.

“ CONSPIRA CONTRA A SUA PRÓPRIA NAÇÃO, O POVO QUE NÃO CULTUA SEUS HERÓIS”

nestorvianna@ibest.com.br

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

terça-feira, 21 de agosto de 2007

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Canhões contra facões?

Quando defendo o Capitão João Gualberto, estou defendendo a figura de um militar que morreu defendendo o Estado do Paraná. Não estou dizendo que ele não era arrogante, ou que não tinha pretenções políticas, apenas afirmo que, João Gualberto cumpria ordens e morreu defendendo o Paraná. Hoje muito se fala nos coboclos que lutavam com seus facões de madeira, contra o exercito federal armado de metralhadoras fuzis e canhões. Também foi isso. Porém não foi só isso.
A questão de limites não foi decisivo no início da Guerra do Contestado. O que "pegou" mesmo foi que, catarinenses não aceitavam a presença de paranaense e grupos estrangeiros na região e vieram a participar ativamente do conflito. Coronéis do sertão, como antigos maragatos Demétrio Ramos, Arthur de Paula e Domingos Soares, há tempos recebiam apoio e armas de Florianópolis para guarnecer a região com suas tropas particulares. Também chefes da rebelião jagunça, tinham como lema defender o território catarinense. Ex. Bonifácio dos Santos (o Papudo), que organizou um reduto próprio entre os rios Paciência e Timbó e chegou a entrar em Canoinhas. Juca Tavares, que se estabeleceu nas nascentes do rio Itajaí do Norte. Um homem culto, que defendia a sentença do STF. Lutou até o fim da Guerra e chegou a parlamentar com o major Taurino de Rezende sobre as condições de paz. Mais um foi Aleixo Gonçalves de Lima, capitão da Guarda Nacional, que comandava mais de 300 seguidores.Então não eram apenas facões contra canhões. O Governo Federal defendia os interesses internacionais com certeza, e o Paraná defendia também claro os seus interreses e os interreses daqueles que estavam no poder. Mas acima de tudo, devemos reconhecer que também defendiam o território paranaense.

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Contestado - 90 anos

Os Estados do Paraná e Santa Catarina passaram por uma das guerras civis brasileiras mais sangrentas de todos os tempos, uma guerra que provocou profundas mudanças no espaço territorial de ambos os Estados. As primeiras noções que temos desta guerra recebemos na escola, mas o assunto é tratado de forma tão superficial (pelo menos no Paraná) que a esquecemos. Desde os tempos do império, Paraná e Santa Catarina disputavam o domínio de uma região, situada em torno das cidades de Palmas, União da Vitória, Canoinhas, Curitibanos, Caçador e Rio Negro, uma região de aproximadamente 48.000m².
Por causa da disputa, a área foi chamada de Contestado. Quando veio a República, a tensão aumentou, porque os Estados ganham o poder de doar terras. Tanto o Paraná quanto Santa Catarina, para assegurar o poder sobre o Contestado, começam a conceder títulos de propriedade sobre a mesma área. Isso acelerou as disputas entre os novos proprietários e provocou a expulsão dos posseiros pobres, que moravam em terras pertencentes ao governo e tinham direito a posse, pois estavam ali havia muito tempo. Milhares de pessoas foram expulsas e tanto o Paraná quanto Santa Catarina ofereciam força policial para o despejo dos caboclos. A situação se complicou quando foram dadas concessões a ferrovias estrangeiras, como a companhia americana Lumber, que explorava a madeira ao longo das terras recebidas para a construção da estrada de ferro, levando à falência os madeireiros locais. Os expulsos foram se agrupando em torno da única esperança que encontraram: as promessas religiosas do "monge" João Maria de Agostinho, que na verdade se chamava Anastás Margraf. Por volta de 1910, João Maria desapareceu, sendo substituído em 1912 por José Maria de Agostinho, que se dizia irmão do primeiro "monge", conta-se que era um fugitivo da cadeia de Palmas, chamado Miguel Lucena de Boaventura. Os "monges" falavam do fim de todos os males, de um paraíso na Terra, pregando a volta da Monarquia. Como a situação piorara após a proclamação da República, os caboclos aderiram rapidamente à defesa da Monarquia extinta. Agora chamados de "fanáticos", pela devoção ao monge José Maria, eles se uniram e, sob a liderança do monge, formaram os "Doze Pares de França", um grupo militar de inspiração religiosa que proclamou como imperador um fazendeiro da região. O governo de Santa Catarina mandou uma força policial dispersar o reduto monárquico. Os fanáticos fugiram então para os campos do Irani, no município de Palmas, em território paranaense (pelo menos reivindicado pelos paranaenses). O governo do Paraná achou que era uma manobra catarinense para se apossar da região contestada, pois sabia-se que os caboclos portavam armas. O Paraná mandou uma tropa contra os fanáticos, comandada pelo coronel João Gualberto Gomes de Sá. O comandante subestimou a força dos posseiros; deixou a maior parte da tropa em Palmas e seguiu para o Irani com apenas 64 homens, confiante na experiência dos soldados e na potência das armas, principalmente de uma metralhadora. Na passagem de um riacho, no entanto, a metralhadora caiu na água e pifou (outra versão diz que não houve tempo para armar a metralhadora). Quando chegou ao acampamento dos fanáticos, João Gualberto caiu numa emboscada, onde 200 guerrilheiros dizimaram os soldados. O monge José Maria morreu no combate juntamente com o comandante João Gualberto. Era o dia 22 de outubro de 1912, início de uma guerra que duraria quatro anos e provocaria milhares de mortes. A guerra termina em 1916 após a rendição dos rebeldes. Neste mesmo ano, Paraná e Santa Catarina assinam um acordo, dividindo as terras contestadas. Na realidade a guerra não acabou em 1916, pois ainda seguiram-se expulsões e mortes na região. Uma verdadeira “limpeza”, no território. Porém a história do Contestado não fica resumida a brigas de fronteiras. De nada adianta contar a história apontando apenas seus heróis e malfeitores. O espírito do Contestado manifesta-se no povo espoliado daquela região em litígio. Os brasileiros que na sua solidariedade dividiam tudo que tinham. Viviam em uma verdadeira irmandade cabocla. Respiravam a esperança de ver restabelecida na região a justiça. Aguardavam a justiça divina, pois na justiça dos homens não acreditavam mais. Alimentavam-se na solidariedade dos seus iguais. Lutavam contra o estrangeiro em suas terras.
Após 90 anos da Guerra do Contestado, visitamos parte da região. Estivemos em Rio Negro, Mafra, Três Barras, União da Vitória, Porto União, Canoinhas, Matos Costa, Calmon, Caçador e Irani. Visitamos museus, antigas estações ferroviárias, locais onde ocorreram combates, monumentos e principalmente pudemos conversar com pessoas que trabalham para que o Contestado não seja esquecido. Pessoas como a Josete em Matos Costa, que administra sozinha e sem recursos um Museu, preservando assim a memória e a cultura da região. Em três barras fomos atendidos no museu por uma senhora grávida de nove meses. No Irani, fomos recebidos pelo músico Vicente Teles, que encantou a todos com suas operetas apaixonadas sobre o Contestado. Em Calmon, estavam esperando nossa visita, e fomos recebidos por um assessor de imprensa e um guia turístico. Em Caçador abriram o museu em pleno dia das mães. Isto também é o espírito do Contestado. Passados 90 anos, ainda podemos ver o resultado da devastação. Onde um dia reinava soberano o pinheiro hoje vemos a invasão desvairada do pinus. Terras ainda em mão de grandes proprietários. Multinacionais ainda exploram a região. População carente de tudo, (saúde, educação, moradia, emprego...) ainda abandonada. A pobreza está a olhos vistos, cabe não somente aos governantes, mas também a nós, professores e pesquisadores, lutarmos para que este quadro possa mudar. Quando levamos a informação à sala de aula e aos demais setores da sociedade, estamos contribuindo para esta melhoria.