quarta-feira, 30 de maio de 2007

Contestado - 90 anos

Os Estados do Paraná e Santa Catarina passaram por uma das guerras civis brasileiras mais sangrentas de todos os tempos, uma guerra que provocou profundas mudanças no espaço territorial de ambos os Estados. As primeiras noções que temos desta guerra recebemos na escola, mas o assunto é tratado de forma tão superficial (pelo menos no Paraná) que a esquecemos. Desde os tempos do império, Paraná e Santa Catarina disputavam o domínio de uma região, situada em torno das cidades de Palmas, União da Vitória, Canoinhas, Curitibanos, Caçador e Rio Negro, uma região de aproximadamente 48.000m².
Por causa da disputa, a área foi chamada de Contestado. Quando veio a República, a tensão aumentou, porque os Estados ganham o poder de doar terras. Tanto o Paraná quanto Santa Catarina, para assegurar o poder sobre o Contestado, começam a conceder títulos de propriedade sobre a mesma área. Isso acelerou as disputas entre os novos proprietários e provocou a expulsão dos posseiros pobres, que moravam em terras pertencentes ao governo e tinham direito a posse, pois estavam ali havia muito tempo. Milhares de pessoas foram expulsas e tanto o Paraná quanto Santa Catarina ofereciam força policial para o despejo dos caboclos. A situação se complicou quando foram dadas concessões a ferrovias estrangeiras, como a companhia americana Lumber, que explorava a madeira ao longo das terras recebidas para a construção da estrada de ferro, levando à falência os madeireiros locais. Os expulsos foram se agrupando em torno da única esperança que encontraram: as promessas religiosas do "monge" João Maria de Agostinho, que na verdade se chamava Anastás Margraf. Por volta de 1910, João Maria desapareceu, sendo substituído em 1912 por José Maria de Agostinho, que se dizia irmão do primeiro "monge", conta-se que era um fugitivo da cadeia de Palmas, chamado Miguel Lucena de Boaventura. Os "monges" falavam do fim de todos os males, de um paraíso na Terra, pregando a volta da Monarquia. Como a situação piorara após a proclamação da República, os caboclos aderiram rapidamente à defesa da Monarquia extinta. Agora chamados de "fanáticos", pela devoção ao monge José Maria, eles se uniram e, sob a liderança do monge, formaram os "Doze Pares de França", um grupo militar de inspiração religiosa que proclamou como imperador um fazendeiro da região. O governo de Santa Catarina mandou uma força policial dispersar o reduto monárquico. Os fanáticos fugiram então para os campos do Irani, no município de Palmas, em território paranaense (pelo menos reivindicado pelos paranaenses). O governo do Paraná achou que era uma manobra catarinense para se apossar da região contestada, pois sabia-se que os caboclos portavam armas. O Paraná mandou uma tropa contra os fanáticos, comandada pelo coronel João Gualberto Gomes de Sá. O comandante subestimou a força dos posseiros; deixou a maior parte da tropa em Palmas e seguiu para o Irani com apenas 64 homens, confiante na experiência dos soldados e na potência das armas, principalmente de uma metralhadora. Na passagem de um riacho, no entanto, a metralhadora caiu na água e pifou (outra versão diz que não houve tempo para armar a metralhadora). Quando chegou ao acampamento dos fanáticos, João Gualberto caiu numa emboscada, onde 200 guerrilheiros dizimaram os soldados. O monge José Maria morreu no combate juntamente com o comandante João Gualberto. Era o dia 22 de outubro de 1912, início de uma guerra que duraria quatro anos e provocaria milhares de mortes. A guerra termina em 1916 após a rendição dos rebeldes. Neste mesmo ano, Paraná e Santa Catarina assinam um acordo, dividindo as terras contestadas. Na realidade a guerra não acabou em 1916, pois ainda seguiram-se expulsões e mortes na região. Uma verdadeira “limpeza”, no território. Porém a história do Contestado não fica resumida a brigas de fronteiras. De nada adianta contar a história apontando apenas seus heróis e malfeitores. O espírito do Contestado manifesta-se no povo espoliado daquela região em litígio. Os brasileiros que na sua solidariedade dividiam tudo que tinham. Viviam em uma verdadeira irmandade cabocla. Respiravam a esperança de ver restabelecida na região a justiça. Aguardavam a justiça divina, pois na justiça dos homens não acreditavam mais. Alimentavam-se na solidariedade dos seus iguais. Lutavam contra o estrangeiro em suas terras.
Após 90 anos da Guerra do Contestado, visitamos parte da região. Estivemos em Rio Negro, Mafra, Três Barras, União da Vitória, Porto União, Canoinhas, Matos Costa, Calmon, Caçador e Irani. Visitamos museus, antigas estações ferroviárias, locais onde ocorreram combates, monumentos e principalmente pudemos conversar com pessoas que trabalham para que o Contestado não seja esquecido. Pessoas como a Josete em Matos Costa, que administra sozinha e sem recursos um Museu, preservando assim a memória e a cultura da região. Em três barras fomos atendidos no museu por uma senhora grávida de nove meses. No Irani, fomos recebidos pelo músico Vicente Teles, que encantou a todos com suas operetas apaixonadas sobre o Contestado. Em Calmon, estavam esperando nossa visita, e fomos recebidos por um assessor de imprensa e um guia turístico. Em Caçador abriram o museu em pleno dia das mães. Isto também é o espírito do Contestado. Passados 90 anos, ainda podemos ver o resultado da devastação. Onde um dia reinava soberano o pinheiro hoje vemos a invasão desvairada do pinus. Terras ainda em mão de grandes proprietários. Multinacionais ainda exploram a região. População carente de tudo, (saúde, educação, moradia, emprego...) ainda abandonada. A pobreza está a olhos vistos, cabe não somente aos governantes, mas também a nós, professores e pesquisadores, lutarmos para que este quadro possa mudar. Quando levamos a informação à sala de aula e aos demais setores da sociedade, estamos contribuindo para esta melhoria.